

Fragmento de pega [direita] do 1º Roboteiro construído em Angola
AUTOR: Pedro Pires
DATA: 2022
TIPOLOGIA: Intervenção sobre utensílio de madeira
N.º DE INVENTÁRIO: MF.2022.008
N.º DE CATÁLOGO: #062
Memória Descritiva
A peça criada, é uma adaptação de um formão antigo, dando-lhe uma aparência de potencial segmento de cangulo/roboteiro, tal qual se realiza para a construção de muitos dos veículos, com intensa apropriação de materiais e formas, bem como de outros objectos ao dispor.
A capacidade de utilização (e durabilidade) do cangulo/roboteiro é o objectivo principal, pelo que qualquer material que se possa incorporar, é tido em conta.
Pelo contexto mundial em 2022 (em particular a emergência e consequências da Guerra da Ucrânia) a possibilidade de também pela via artística se realizar uma chamada de atenção quanto à agressão da Federação Russa, foi um dos motivos da escolha deste elemento histórico (ainda presente) da vida de Angola.
A Falsidade Explicitada
Roboteiro o que é: Carro de mão feito com um pneu de um carro, madeiras e com 2 pegas paralelas, que é usado para transportar grandes volumes de carga, em pequenas distancias. Também é o nome pelo qual são conhecidos os condutores dos veículos. Por extensão, Rototeiro (ou, por vezes, Raboteiro), pode significar quer o condutor/função, quer o veículo.
Conhecimento do nome em Angola: Em Luanda diz-se que a palavra Roboteiro poderá ter surgido nos anos 80 durante a presença dos russos em Angola, que apoiavam Cuba na Guerra Civil de Angola. As histórias contam que os chefes russos diziam “rabota, rabota” aos trabalhadores angolanos, “trabalha, trabalha” e que essa palavra foi transformada a partir daí e usada para descrever estes carros de mão que povoam certas zonas da cidade onde é necessário transportar carga.
Durante muitos anos, em Lisboa, caixotes com os pertences de retornados das ex-colónias ultramarinas, ficaram armazenados no Cais de Alcântara e num armazém da Rua da Junqueira, entre outros locais, sem serem requeridos.
A origem da designação Roboteiro, a fazer fé nas informações recolhidas, parece estar na apropriação pela gíria luandense da palavra russa «robot» e na verbalização «robota/rabota» que significa desde trabalhor a servo, bem como trabalha e servidão: em súmula, uma ordem para desenvolver trabalho físico, braçal. A partir das informações prestadas por seis jovens roboteiros, activos em dois mercados de Luanda entre Setembro e Dezembro de 2003, foi possível esboçar um quadro descritivo que caracteriza o modo de exercício da actividade. A presença destes operadores é constatável nos mercados, nas suas imediações e em locais específicos na generalidade dos bairros periféricos. De acordo com a informação prestada pelo Administrador do Mercado, no Roque Santeiro e nas suas imediações operam diariamente cerca de 2 500 a 3 000 roboteiros. Se for tido em conta que estes operadores estão presentes em todos os mercados da cidade e que, para além da existência reconhecida oficialmente pela Direcção Provincial de Mercados e Feiras de trinta e cinco mercados, estão activos inúmeros outros mercados de menor dimensão espalhados pelos diferentes bairros da cidade, é possível estimar entre duas a três dezenas de milhar a dimensão deste segmento de actividade em Luanda. Uma característica particular deste tipo de operadores é que são exclusivamente homens e, na sua esmagadora maioria, muito jovens. Dos roboteiros entrevistados, o mais jovem afirmou ter quinze anos de idade, enquanto que o mais velho, proprietário de onze carrinhos de mão (cangulos), referiu ter vinte e quatro anos. Os informantes, maioritariamente não naturais de Luanda, apresentam um nível de escolaridade baixo. Dos seis informantes, dois admitiram não saber ler nem escrever e a 4ª classe foi o nível de escolaridade mais elevado, que um dos roboteiros afirmou ter concluído. A informação recolhida, através das entrevistas às administrações dos mercados, a comerciantes instalados nos mercados e a outras instituições que aí têm uma relevante intervenção social, e da observação directa, permitiu a constatação de que muitos dos jovens que desenvolvem esta actividade são crianças de rua, órfãos e deslocados de guerra, tratando-se igualmente de um grupo alvo onde se manifestam casos frequentes de consumo de droga (alguns dos comerciantes entrevistados referiram que os roboteiros andam quase sempre « ganzados » por cheirarem gasolina…).
Sobre Pedro Pires
Nascido em Luanda, (1978, Angola) Pedro Pires usa diferentes suportes, técnicas e objectos do dia a dia, que são fortemente utilitários e produzidos industrialmente. Desenvolve estratégias de comunicação, sendo a figura humana um elemento constante no seu trabalho. Há uma preocupação em pensar em questões locais e globais, usando referências de contextos populares, tradicionais ou estrangeiros. Na sua pesquisa flutua entre três assuntos principais: um sentimento de identidade deslocada; migração e direitos humanos. Estas três áreas, que estão interligadas, funcionam como âncoras para a sua prática artística e pensamento. Reflecte sobre a sua posição política, social e económica – que é díspar nos países dos quais tem nacionalidade, Angola e Portugal. Utiliza a sua experiência pessoal para questionar o mundo contemporâneo e criar paralelismos com assuntos do presente. Pretende questionar o presente para pensar sobre o futuro. A sua carreira artística estende-se por mais de 10 anos. Das exposições e projectos que participou destacam-se os seguintes locais: Museu de História Natural de Angola, Luanda, Angola; Museu de Belas Artes de Montreal, Canadá; 1:54 Art Fair, Somerset House, Londres, Reino Unido; Lagos Biennial, Nigéria; Cape Town e Joburg Art Fair, África do Sul; Poldra Festival de Escultura Pública, Viseu, Portugal; Lorne Biennale, Australia; ExpoChicago, USA; Arco Lisboa, Portugal; Gallery Momo, África do Sul; Festival Política, Lisboa, Braga e Évora, Portugal; Art Paris Grand Palais, França; Residência artística na Delfina Foundation, Londres, UK; Casa da Cerca, Almada, Portugal; Hangar, Lisboa, Portugal. Mestrado em Artes Visuais, 09/10, Central Saint Martins College of Art and Design, Londres, Reino Unido. Licenciado em Escultura pela Faculdade de Belas Artes de Lisboa em 2005, Portugal. Em 2004 obteve a bolsa Erasmus para a Faculdade de Belas Artes de Atenas, Grécia.
Esta peça foi criada para o Museu do Falso com o Apoio
