Cruz do “Ermitão”
AUTOR: Ruben Marques
DATA: 8 de outubro de 2021
TIPOLOGIA: Artefacto
DIMENSÕES: altura 41 cm; largura 27 cm
N.º DE INVENTÁRIO: MF.2021.020
N.º DE CATÁLOGO: #047
Memória Descritiva
A lenda do Ermitão desenvolve-se em redor de três conceitos fundamentais: o amor que sente pela sua prima Laura, e que o levou a empreender uma dificílima viagem até à cidade de Roma; o profundo sentimento de fé que atribui a Nossa Senhora, prometendo erguer lhe uma capela caso o protegesse das tempestades que quase destruíram o barco e lhe roubaram a vida; por fim, a humildade e abnegação que soube transportar para o seu modo de viver quotidiano, transformando se num verdadeiro ermita, mais preocupado com a saudade e com os valores celestiais do que propriamente com as riquezas mundanas.
De acordo com estes três conceitos, considerou-se que o objeto mais adequado para constar nesta exposição do “Museu do Falso” seria uma rude cruz de madeira, elaborada sem preocupações artísticas ou estéticas, mas bem demonstrativa dos princípios que moviam o coração do Ermitão.
A matéria prima utilizada na construção da cruz limitou-se a dois galhos que estavam caídos no chão (e que foram recolhidos no adro da capela de Nossa Senhora do Livramento), posteriormente unidos por um pedaço de corda.
Um canivete permitiu fazer um pequeno corte no tardoz do braço horizontal da cruz (facilitando o encaixe na haste vertical) e foi também essencial no momento de gravar o nome “LAVRA”.
Terminada a construção do artefacto, restou apenas elaborar uma notícia de jornal fictícia, que fizesse o devido enquadramento da suposta descoberta arqueológica e conferisse alguma credibilidade a todo este enredo de falsidade.
A Falsidade Explicitada
No ano de 1916, o então diretor do “Comércio de Viseu”, de seu nome José Júlio César decidiu escrever e publicar um texto sobre o Ermitão que havia construído a capela de Nossa Senhora do Livramento, em S. João do Monte. Não se tratava de um apontamento noticioso nem de um artigo científico de História; o seu objetivo era apenas o de partilhar uma lenda antiga e interessante, tendo por base os relatos que ouvira dos mais velhos e alguns apontamentos pessoais que seguramente introduziu.
A trama é deliciosa e cheia de pormenores rocambolescos, prendendo a atenção do leitor do primeiro ao último parágrafo.
Consta-nos a estória de vida de Plácido Francisco, um jovem rebelde nascido perto de Destriz (concelho de Oliveira de Frades) e que se haveria de notabilizar pela construção de uma ermida em honra de Nossa Senhora do Bom Despacho e do Livramento, como forma de pagamento de uma promessa.
Mais do que construir a capela num local ermo dos arredores de S. João do Monte (concelho de Tondela), Plácido Francisco tomou a iniciativa de se transformar num anacoreta e de viver ali mesmo, afastado do mundo profano e de assuntos triviais.
O seu tempo e forças eram dedicados ao culto divino e à lembrança persistente daquela que fora o grande amor da sua vida a bela Laura, que partiu de forma prematura e inesperada, precisamente durante a viagem que Plácido Francisco empreendeu até Roma como forma de obter a permissão do Sumo Pontífice para celebrar casamento com ela.
Quantos destes pormenores, relatados no texto de José Júlio César, pertencerão ao universo dos factos históricos? Não sabemos dizer, mas o fascínio das lendas reside nisso mesmo: na ocultação das fronteiras entre o mundo real e o mundo imaginário, entre aquilo que foi verdade e o que nunca passou de ficção.
A única certeza que temos… é que a cruz tosca de madeira contendo o nome de Laura não passa de uma inocente falsidade, criada com o propósito de perpetuar e valorizar o riquíssimo património imaterial que caracteriza toda esta região!
Esta peça foi criada para o Museu do Falso e teve como Parceiro Institucional