“Fugir do Amor”

AUTORES: Ana Bento e Bruno Pinto
TIPOLOGIA: Música
DATA: 2021
N.º DE INVENTÁRIO: MF.2021.006
N.º DE CATÁLOGO: #033

Memória Descritiva

A canção ‘Fugir do Amor’ foi gravada na Estrada Velha de Abraveses onde de facto vivem Ana Bento e Bruno Pinto e onde foi realmente a Quinta dos Cardosos, mas em agosto de 2021 pelos próprios, com microfone Blue Microphones Bluebird SL, placa de som Apogee Duet Firewire e violão de origem brasileira “Do Souto”, modelo “Regional” fabricado em 1999, para software de gravação de áudio multipistas onde foi realizada alguma edição áudio, nomeadamente equilíbrio de volumes, compressão, aplicação de efeitos de ambiente e reverberação, equalização e ainda gravação em cassete compacta realizada com gravador de cassetes a fazer captação a partir de playback em sistema hi-fi stereo.

A partitura foi produzida pelos autores da peça com base em consultas em arquivos na internet com exemplos de partituras manuscritas de compositores brasileiros da época, intentando fazer uma aproximação àquilo que seria a notação por cifra musical “convencional” da altura. Optou-se por criar a letra para a melodia com recurso ao português falado no Brasil mas depois ao gravar a cantar fazê-lo com sotaque de Portugal, pelo exotismo e humor que confere (além de que é uma opção estética utilizada por intérpretes variados na história da música recente em Portugal, por exemplo ao reinterpretarem uma canção de autor brasileiro – a exemplo “Taras e Manias”, cantada por Marco Paulo, original dos autores brasileiros Carlos Colla e Marcos Valle, outro exemplo o tema “Quero que tudo vá pró inferno”, dos autores Carlos Erasmo e Carlos Roberto, na versão dos portuenses GNR ou ainda a versão de “Lanterna dos afogados” dos Moonspell, do autor Herbert Lemos De Souza Vianna/Paralamas do sucesso).

A música foi composta livremente com inspiração no estilo da bossa-nova, de que Vera Lúcia é numa ou noutra fonte mencionada como precursora, e a letra e o título desta inspirados numa entrevista real a Vera Lúcia no nº 197 de 1953 da “Revista do Rádio” onde esta fala do que pensa e sente em relação ao amor. A opção em ser Bruno Pinto a gravar a melodia da canção com a sua voz prende-se com o facto deste não cantar e não se sentir à vontade com tal, e esse desconforto servir o propósito de ao personificar a voz que teria sido de Abílio Cardoso, alimentar ainda mais a falsidade atribuída ao enredo em volta deste.

A escolha da cantora Vera Lúcia como mote para o trabalho e criação da falsidade deve-se ao facto de no contexto do desafio feito aos autores da peça pelo Museu do Falso, em fase de pesquisa, ao investigar a história ou a personagem, ou seja, o real, se ter seleccionado a possibilidade mais original possível, menos batida já em relação ao conhecimento do público, o que de facto foi o que pareceu aos autores a descoberta inesperada desta artista, e mais ainda quanto mais se buscava informação detalhada sobre a mesma. O fascínio sentido ao saber que era uma portuguesa de Viseu, com origens aqui mesmo na freguesia de Abraveses onde os autores da peça vivem há já quase vinte anos, e que tendo trocado Portugal pelo Brasil aos dez anos de idade, aos vinte já era figura em rápida ascensão na carreira artística, seguindo pelos anos 50 e 60 como cantora consagrada, e que faz hoje parte dos anais da história da música no Brasil daquela época, em particular como referência ao lado dos nomes de outras cantoras importantes como Maysa, Ângela Maria, Emilinha Borba, Dalva de Andrade ou Dolores Duran, entre muitas outras. Enquanto músicos e artistas, ficámos fascinados pela história de vida, coincidências e informação encontrada acerca da cantora.

A Falsidade Explicitada 

A Quinta dos Cardosos na Estrada Velha de Abraveses existiu de facto no lugar onde os autores da peça vivem há já 20 anos mas Abílio Cardoso é uma personagem que foi inventada para convergir com a história de vida da cantora luso-brasileira Ermelinda Balula que na realidade viveu ali até aos dez anos de idade, altura em que emigrou para o Brasil. A criação do personagem fictício Abílio Cardoso como falsidade deve-se à necessidade dos autores de estreitar a proximidade de Vera Lúcia às suas origens e de, através da narrativa ficcional atribuída a Abílio e da sua relação biográfica com Vera (a idade próxima entre ambos, a mesma localização geográfica possibilitando a paixão de infância e uma eventual relação de crescimento como vizinhos em crianças, a profissão de ambos, ligada à música), contar com pormenor suficiente a história real de Ermelinda Balula, quem de facto os autores queriam colocar no foco da peça.

Chegou a ser colocada a hipótese enquanto falsidade, de Vera Lúcia ter gravado uma versão da canção “Fugir do amor” a pedido de Abílio Cardoso aquando de uma vinda sua a Portugal nesta época, mas percebeu-se que afinal a cantora ainda é viva e reside numa casa de repouso no sul do Brasil, sofrendo de Alzheimer (mas segundo apurámos remotamente nas redes sociais por comentários de funcionários desse asilo, que privaram com ela, que mantém o sorriso e a graça que sempre a caracterizaram!). Por não ter sido entretanto possível falar pessoalmente com Vera Lúcia a fim de explicar a intenção da peça nesse sentido, optámos por enveredar por esta versão alternativa que também nos seduziu muito.

Para além dos aspectos biográficos já referidos de Vera Lúcia, a infância em Portugal e outros, sabemos que fez o Ginásio e o Colégio em Copacabana, o que em Portugal conhecemos hoje como o período de estudos que vai do 2.º ciclo do ensino básico até ao fim do ensino secundário, trabalhando simultaneamente, ainda na adolescência como caixa e auxiliar de escritório. Em 1950, com apenas vinte anos de idade, já tinha sido contratada pela Rádio Nacional como cantora e locutora (nesta época os locutores e cantores contratados pelas rádios eram encarados como funcionários públicos) após um período de dois anos em que acumulou experiência a cantar e trabalhar em rádios diversas. Foi aqui a actuar na Rádio Nacional que começou a ganhar destaque no meio da indústria. Em 1953 já era considerada uma estrela, tendo inclusive feito algumas participações no cinema enquanto actriz, como em “Barnabé, tu és meu” e “Fogo na roupa”. Em 1955 foi, não sem alguma polémica, eleita Rainha do Rádio, tendo a sua entrada no Teatro onde foi coroada sido tão pomposa como estranha, transportada num andor por quatro atletas que trajavam a “camiseta” do Clube de Regatas do Flamengo. No acto da coroação, ao invés da entrega da coroa pela rainha cessante, Ângela Maria, recebeu-a antes das mãos da super-estrela Carmen Miranda, especialmente convidada para a ocasião.

Gravou inúmeros discos de 78rpm com canções em diferentes estilos (marcha, baião, samba, samba-canção, xote), e dois dos seus maiores sucessos foram a marcha “Rita Sapeca” (1951) e o samba “Leva-me contigo” (1960). Em 1952 foi contratada pela editora Odeon e em 1954 passou para a Continental e em 1958 estava a gravar com a Sinter. Em 1955 foi eleita Rainha do Rádio, recebendo a coroa das mãos de Carmen Miranda. Em 1957 grava uma versão do clássico fadocanção “Nem às paredes confesso” e em 1959 grava dois temas de António Carlos Jobim, o samba “Este teu olhar” e o samba-canção “Porque tinha de ser”, este em parceria com Vinicius de Moraes.

Em 1997 foi homenageada com o Troféu Carmen Miranda pelo Museu Carmen Miranda do Rio de Janeiro.

Os autores deixam um agradecimento especial a Bernardino Balula, irmão pela parte do pai de Vera Lúcia Ermelinda Balula pelas preciosas informações prestadas por telefone.

Sobre Ana Bento

Multi-instrumentista, compositora e workshop leader, estudou nos Conservatórios de Música de Viseu e Aveiro. Licenciou-se em Educação Musical (2001) e frequentou uma pós-graduação em Musicoterapia no C.I.M. de Bilbao (2002). Paralelamente realizou um percurso formativo na área da pedagogia musical com Paulo Maria Rodrigues e Helena Rodrigues, Pierre Van Hawe, Jos Wuytack, Edwin Gordon, Verena Maschat, Murray Schafer, Soili Perkiö, entre outros. Estudou saxofone com Mário Santos e João Martins. Fez parte da Orquestra Juvenil do Centro e, atualmente, integra os projectos Aurora Brava, Tranglomango e Colectivo Gira Sol Azul, colaborando, pontualmente, noutros projetos musicais, nomeadamente The Dirty Coal Train. Compôs, interpretou e dirigiu ao vivo a música de espetáculos encenados por Helen Ainsworth, Graeme Pulleyn, Sónia Barbosa, Rafaela Santos, Márcio Meirelles, Maria Gil, Filipa Francisco, Romulus Neagu, Joana Providência, entre outros. Co-fundou a Associação Gira Sol Azul na qual colabora e integra a equipa de vários projetos musicais como concertos para bebés e famílias (Primeira viagem ao espaço, Pequenos Piratas, Aniki, Tangerina e Sophia) e projectos com comunidades como Orquestra (in)fusão e A Voz do Rock. Desenhou e interpretou vários percursos artísticos para a Rede Caminhos Médio Tejo, festival Bons Sons e festival Dar a Ouvir. Integra a equipa do serviço educativo da Casa da Música desde 2008 com a criação de oficinas e concertos para a infância. É artista associada do Teatro Viriato desde 2014.
www.anabento.com

Sobre Bruno Pinto

Músico e compositor, frequentou os conservatórios de música de Viseu e Aveiro e licenciou-se em Educação Musical em 2003. Estudou, na área do jazz, com Luís Lapa, Carlos Mendes, Mário Santos, Paulo Pinto e Nuno Ferreira e na área da educação musical frequentou workshops de Jos Wuitack, Pierre van Hauwe, Murray Schaefer, Edwin Gordon. Integra os grupos Aurora Brava (guitarra, composição e letras), Tranglomango e Colectivo Gira Sol Azul. No seio do Colectivo Gira Sol Azul tocou com Dominique Di Piazza, Freddie Gavita, Manuela Panizzo, Omar, Roger Biwandu, R!X e Pedro Abrunhosa. Compõe música para teatro e bandas-sonoras, tendo colaborado com Helen Ainsworth, Rogério de Carvalho, Rafaela Santos, Filipe Raposo, Filipa Francisco, Romulus Neagu e Joana Providência. Compôs e interpretou a solo uma banda sonora para o filme mudo Paris Qui Dort (René Clair), acompanhou Filipe Raposo em The Navigator (Buster Keaton) e compôs e interpretou com Ana Bento em Seven Chances (Buster Keaton). Integra o espectáculo Viajantes Solitários (Joana Craveiro/Teatro do Vestido) para o qual compôs a música. Colabora regularmente em projectos do serviço educativo da Casa da Música. Escreve poesia, letras para música/bandas de originais e pequenas histórias e contos fantásticos. Co-fundou a Gira Sol Azul na qual colabora e integra a equipa de vários projectos musicais como concertos para a infância e famílias, Orquestra (in)fusão e o grupo A Voz do Rock.
www.brunopinto.pt

Pesquisa

“Revista do Rádio” Ano 3, nº 35
“Revista do Rádio” – Ano 3, nº 35, 9 de maio de 1950, págs. 38 e 39
Entrevista “Fugir do amor”
“Revista do Rádio” – nº 197, 1953, págs. 16 e 17
Coroação Rainha do Rádio 1955
“O Cruzeiro” – 5 de março de 1955, págs. 26B e 26c (Ed. 21/1955 do arquivo mencionado)
História das cassetes e gravadores de cassetes
vintagecassettes.com
Blogs/discografia/história
toque-music-all.blogspot.com
www.toque-musicall.com
rhistoriandoz.blogspot.com
wikipedia.org
dicionariompb.com.br/vera-lucia
immub.org/artista/vera-lucia
facebook.com/dicionariocravoalbinmpb (NOTA: a data de falecimento aqui inscrita é informação errónea)
No mercado
mercadolivre.com.br
Partitura manuscrita gt. Instituto Jobim
www.jobim.org
www.jobim.org
Regravadas Brasileiras:
www.youtube.com

Esta peça foi criada para o Museu do Falso e teve como Parceiro Institucional

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