Memória Descritiva
A obra apresentada é composta por quatro páginas que pretendem simular ser pertença de um caderno de esboços de uma artista da época do Renascimento, a qual teria feito parte da oficina de Grão Vasco, tendo os seus desenhos servido de base para as pinturas de Vasco Fernandes.
Na época, a criação de uma imagem era muitas vezes realizada por um artista e a pintura, propriamente dita, por outro; o que foi revelado através do método de radiografia em vários painéis do Retábulo do altar-mor da Sé de Viseu.
Este conjunto de painéis foi objeto de análise para o primeiro desenho. Aqui valorizei a perspetiva. A terceira dimensão ou profundidade é transmitida através de regras geométricas da linguagem das projeções cónicas.
A utilização de gravuras pelos pintores terá sido uma prática comum nas oficinas deste período, sendo também usual a existência de um livro de modelos que reunisse pequenos desenhos de cabeças de figuras humanas femininas e masculinas. Posto isto, aparece a inspiração para o segundo desenho a grafite, em que uma das mulheres é a representação de Santa Margarida do Retábulo do Pentecostes da Sé de Viseu.
No painel de Cristo em casa de Marta, Vasco Fernandes utilizou de forma muito direta a gravura da Melancolia gravada em Nuremberga por Albrecht Dürer. Essa opção iconográfica foi o mote para o desenho de Maria que está inacabado, uma opção propositada, não estando por isso assinado. O desenho que é precedente a este, quer mostrar a evidente referência que Dürer foi para a Oficina de Grão Vasco.
Também a assinatura da artista se inspira em Dürer. O nome, Maria Eduarda, é uma homenagem à minha Mãe (como todo o artista, tenho as minhas referências que servem de modelos).
O suporte utilizado, o papel Fabriano, confere realismo, dada a sua existência já nessa época. Este foi sujeito à ação da luz e do envelhecimento através do café, por forma a ser mais convincente. Quanto à técnica, utilizei a tinta-da-china, caneta de aparo e grafite, de modo a evidenciar o cuidado do traço da época.
Estes desenhos são fruto de uma investigação de pinturas e desenhos da época, com o objetivo de encontrar particularidades que pudessem ser falseadas. Dado que se trata de uma escola/oficina bastante estudada, construir a falsidade da história da descoberta destes desenhos, deu muito que pensar e riscar, mas também um enorme prazer…
A Falsidade Explicitada
O Museu Grão Vasco possui, na sua colecção de pintura, um significativo conjunto de obras de Vasco Fernandes, o Grão Vasco, mestre pintor do Renascimento que se notabilizou na produção artística nacional, justificando assim a designação que o museu viria a assumir em 1916, por ocasião da sua fundação. Para além daquelas obras de autoria incontestada, o museu possui outras onde o envolvimento dos seus colaboradores e discípulos é hoje reconhecido, tornando-se esta oficina de Viseu responsável pela produção de obras que marcariam a pintura portuguesa do século XVI.
Durante séculos perdurou a ideia errónea da exclusividade de autoria de Vasco Fernandes para esta pintura antiga, que é hoje contestada, em absoluto, graças a um trabalho minucioso de investigação e análise do processo criativo, das soluções de composição, e dos procedimentos técnicos que caracterizam cada autor e que cada quadro apresenta. Com efeito, estas obras de propósito e dimensões retabulares, eram sobretudo trabalhos colectivos e de parceria entre mestres, com o envolvimento de múltiplos colaboradores e oficiais. Nos retábulos de Viseu identificam-se diferentes autorias, como a de Francisco Henriques, pintor flamengo activo em Portugal, ou ainda dos viseenses Gaspar e António Vaz, para além do próprio Vasco Fernandes.
O processo imitativo de muitas soluções formais, criadas por Vasco Fernandes, reconhece-se nas obras dos seus colaboradores, também elas expostas no Museu Grão Vasco. Mas esta imitação do mestre só atesta a sua genialidade, e é fácil adivinhar que a contemplação das suas obras se tornava, por certo, muito inspiradora. Ainda hoje…
Texto por Museu Grão Vasco