Maquete e Tríptico Técnico: A Nova Catedral de Viseu

AUTORA: Pedro Silveira
TIPOLOGIA: Arquitectura
DATA: 2012
N.º DE INVENTÁRIO: MF.2012.019

Memória Descritiva

.. uma intervenção no edifício da Sé de Viseu …

Uma “Nova Catedral de Viseu” é o que a “Sociedade para a Materialidade Humana” pretende, no vindouro ano de 2062 é que ali seja edificado.

Este é o mote e o objecto da proposta para esta peça do “museu do falso”.

Poder-se-ia afirmar que se trata de um estudo base para um projecto de arquitectura, talvez apenas seja um mapa de intenções, talvez se possa admitir que pudesse ser uma resposta a um concurso de ideias. Encarou-se como podendo ser tudo isto. Resume-se como uma peça constituída por 3 momentos, que na verdade são 5. Existem peças desenhadas, peças escritas e uma maqueta.

Assim, ao nível da “instalação” presente na exposição existem 2 elementos:

. um tríptico, composto por 3 painéis (cartolina com impressões sobre capaline), sendo que dois deles apresentam essencialmente as peças desenhadas e um terceiro com a peça desenhada (memória descritiva) que serve de suporte teórico e conceptual à proposta; . uma maqueta (em mdf pintado) de volumes e massas ajudará à leitura da proposta, funcionando como a explicação tridimensional da proposta.

Um desenho de procura de solução, transformado em serigrafia é o terceiro momento desta peça compósita e eclética (como o objecto de estudo).

A memória descritiva da peça e a falsidade explicitada são os textos que suportam e explicitam a peça apresentada.

O método de trabalho para determinar esta proposta foi o semelhante ao método utilizado na actividade profissional de um arquitecto. Existe um problema, analisa-se o programa base, a sua envolvência e espaço a intervir. Tiram-se conclusões das análises várias. Tomam-se decisões. Cria-se um conceito. Testa-se a solução. Critica-se o resultado. Corrige-se o menos bem, destaca-se o que está certo. Volta-se a olhar. Critica-se de novo, testam-se mais alguns inputs, analisa-se de novo, e mais uma vez, duas ou três. Retoma-se o programa base. Critica-se mais alguns pontos, revêem-se outros, reformula-se mais umas tantas vezes. Encontra-se a solução. Uma solução.

Esta solução foi a recusa de todas as outras, foi a escolha de um caminho!

Aceita-se como válida. Materializa-se a proposta. Compõem-se os elementos explicativos de toda uma ideia. A selecção de elementos a apresentar obriga a determinar o que é essencial para a demonstração da ideia.

O processo conceptual de desenvolvimento de uma ideia aliado ao problema colocado por um programa/proposta empenhado num contexto criado, auxiliados por um método de procura/encontro de respostas são trilhos convergentes que proporcionaram o caminho e as projecções (quase) holográficas apresentadas e preconizadas por esta peça/instalação/proposta.

A Falsidade Explicitada ou o suporte conceptual da “mentira”

.. “não aconteceu, mas podia ter acontecido” … , poderia ter sido este o mote do “museu do falso”, que, de certo modo, o é!

A “sociedade para a materialidade humana” não existe, talvez até nunca exista…

A substituição (quase!) integral do edifício da Sé Catedral de Viseu, elemento iconográfico, simbólico e monumental – como imagem de referência da cidade de Viseu – também, talvez, nunca seja uma realidade, mas que, de certa forma já o foi… Em suma, este não é um pensamento novo ou único nem tão pouco fruto de uma contemporaneidade iluminada ou obscura.

Por volta dos idos anos 40 do século passado, a DGEMN, imbuída do espírito emanado pelo estado novo e das suas premonições quanto a um estilo português verdadeiro, pensou na demolição/ substituição da Sé, retomando uma imagem que nunca teria existido, dotando-a do “estilo português” por inerência – aquele que melhor corresponderia a um ideal do que deveria ser a matriz de um “estilo português puro”, aquele que melhor responderia às ideias e aos ideais do que deveria ser o “estilo da nação”.

Qual a pertinência de voltar a propor algo que já tinha sido preconizado? … como justificar algo que não é novo? … porquê adoptar uma solução de ruptura e (aparentemente) contrastante com as teorias sobre intervenção em património actualmente aceites e amplamente divulgadas?

Não se trata de uma mera reformulação estilística por algo que se defende, nem tão pouco o mero exercício acrítico de mudar a imagem, mantendo a essência – aqui a grande questão encerra em si um conteúdo programático de nova índole com novas abrangências. Alia o âmago do pensamento da mera substituição a um conceito de uma nova centralidade, assumindo as premissas das contemporâneas discussões em redor do património e, mormente, dos denominados “centros antigos/ históricos”.

Hoje em dia os centros antigos, denominados de históricos, são entendidos como algo que extravasa a mera ideia de postal ilustrado de tempos idos. São objectos de marketing, de venda de uma dada localidade/ região, são centros que, mediante os vários pontos de vista, funcionam como imanes – provocando atracção e repulsa!

Como tornar estas velhas zonas antigas como pólos de atracção e de vibrações várias? Como “chamar” as pessoas aos velhos castros? Como gerir estes “novelos” de espaços e histórias? Como aliar a vida do dia a dia da urbe com a vida passageira (na cidade) de um turista? Que atracções devem conter, encerrar, descerrar e explodir no que já foi o pólo mais concêntrico e centrípeto de uma cidade?

Estas e muitas outras são as questões inerentes às deambulações teóricas (e não só) em redor da intervenção no património, edifício e cidade.

Qual a pertinência desta proposta, ainda para mais, inserida num projecto como o “museu do falso”?

Se “a brincar dizem-se as verdades”, a especular pode-se conversar muito a sério.

Nasce assim esta intervenção (A nova Catedral de Viseu) no “museu do falso”. Optou-se pela arquitectura, por ser a formação académica e a base do percurso profissional do autor da peça. Entendeu-se que deveria ser um edifício marcante e com o carácter de monumento por ser um objecto de estudo facilmente reconhecível e amplamente conhecido. Deveria ser no núcleo antigo, pois o “museu do falso” nasce de um projecto denominado de “património”.

A Sé Catedral de Viseu reúne todos estes (re)quesitos e mais uns quantos.

Trata-se de um edifício eclético, no qual não se consegue afirmar a existência de um estilo único, o que permite a não datação concreta de construção. É, assim, um edifício que foi sendo intervencionado, modificado, objecto de adições e subtracções várias ao longo dos tempos. Pode-se vislumbrar uma base pré românica, contrafortes românicos, elementos góticos, remates manuelinos, intervenções maneiristas, apontamentos barrocos, …, e manifestações contemporâneas.

Em suma, pode-se vislumbrar uma sucessão de momentos, uma mescla de manifestações construtivas/ estilísticas que remetem para intervenções várias. Tal, permite afirmar que essa ausência de uma datação única de construção, é o que torna a Sé Catedral de Viseu, um edifício impar e algo “estranho”. É nesta “manta de retalhos estilísticos”, quase que um “patch work” arquitectónico, que reside a especialidade e, ao mesmo tempo, a falta de unidade com que muitos historiadores se referem a esta construção singular!

Assumindo o anteriormente afirmado como verdade universal, mediante o olhar de quem analisa ou intervém nesta construção, a ampla possibilidade de soluções aliadas às mais dispares teorias de intervenção em património edificado permitirão defender, sem qualquer mácula, a sua demolição integral, parcial ou manutenção do amplo manancial de intervenções assumidas e realizadas ao longos dos tempos. Se “quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto”, este acrescentar pode significar, neste caso, a subtracção ou substituição. Assim, mais que especular e perceber tudo o que foi sendo executado na vida deste edifício, importa perceber o que ele é hoje! O que o distingue, o que o torna especial, o que justifica a sua adulteração/ substituição/ alteração.

Mas, se a Sé Catedral de Viseu, como se apresenta hoje, é um edifício com mística, algum mistério, interessante, plasticamente curioso e referencial na história da arquitectura da cidade e monumento representativo da mesma, porquê a necessidade de uma nova catedral? Porque importa este tema? Qual a pertinência?

Neste caso, a discussão em torno desta proposta não decorreu das teorias de intervenção em património edificado, nem tão pouco na definição de monumento, ou ainda na necessidade de se entenderem os centros antigos e/ou históricos como marca de uma civilização. Aqui, o importante foi ir além disto. Ir além disto subentende perceber o que é a urbe, o que é um centro antigo, o que foi, o que é e o que pretende ser. Estas questões são inerentes à zona, às ruas, às praças, aos edifícios. Mas também o que queremos que sejam estes elementos, que programa preconizamos, qual a sua essência?

Ontem, hoje e amanhã!

Que cidade fica depois dos nossos dias? Será que não devemos deixar a marca dos nossos tempos, de modo mais ou menos despreocupado, como os anteriores fizeram e como, talvez, os vindouros farão? E será que não estaremos a propor mudar tudo para que tudo fique na mesma? Ou ainda, a não mudar nada tudo para que tudo se altere?

Estes pensamentos e muitas outras questões serviram de mote a esta proposta. Um proposta algo radical, deveras discutível, com mais dúvidas que certezas, que ao invés de procurar uma resposta, pretende espicaçar ânimos, criar divergências, construir barreiras para que estas possam ser destruídas, por forma a que o pensar a cidade antiga para os dias de hoje de olhos postos no futuro não seja um mero exercício de fachadismo nem tão pouco uma destruição da essência dos antigos castros, mas antes opções válidas e validadas pelos tempos contemporâneos, assumindo, sem receio, que as marcas dos tempos serão sempre cicatrizes eternamente marcadas nas histórias das cidades.

Sobre Occupy My Kitchen

A cozinha, ou o acto de cozinhar, sempre acompanhou a evolução da humanidade, sendo o catalisador ou o produto da mudança.
Sendo que a alimentação começou por permitir o crescimento das comunidades, uma vez ultrapassadas as necessidades básicas humanas, passou a ser objecto de fruição. Tradicionalmente relacionada com a agregação familiar ou comunitária é, por si, um agente sócio-cultural determinante, um património que se quer vivo e evolutivo como quem o pratica.
Há um terceiro marco na história desta relação humana/alimentar. Os tempos modernos do mundo desenvolvido trouxeram decadência ao sentido comunitário e ao cuidado de ter uma alimentação local, que cede cada vez mais ao não-endógeno.
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