“Espirro do Besteiro”

AUTOR: Desconhecido
TIPOLOGIA: Têxtil entranhado
DATA: séc. XII
N.º DE CATÁLOGO: #048
N.º DE INVENTÁRIO: MF.2021.021
PROVENIÊNCIA: Privada

Contextualização

Quis este lenço de linho amarfinado, cromaticamente bordado, pôr fim à dúvida existencial que o timbrava com uma inesperada e inédita aparição em 1951. Local: Caramulo, Junta de Turismo, Salão de Exposições.

Assaz referido em cantigas, testamentos e crónicas a partir do final do século XII, o «Espirro do Besteiro» foi considerado pelos mais ilustres eruditos como um enigma. Ninguém sabia que forma tinha porque não havia imagens ou descrições. Sabia-se apenas que possuía poderosas «bruxarias»: propriedades mágicas e propiciadoras do bom sucesso, da boa sorte, da boa saúde e da boa morte.

Os movimentos expedicionários pelo achamento do artefacto reacenderam em 1919, quando José Júlio César, jornalista e reputadíssimo advogado de Viseu, publicou o artigo «O divino manifesta-se no Espirro do Besteiro», n’O Comércio de Viseu.

Na altura, surgiu a hipótese de algures no século XIII ter havido um erro de transcrição e a designação correta ser espírito e não espirro.

O historiador tondelense Amadeu Ferraz de Carvalho matou a polémica quando encontrou um velino de 1185 no Paço de Molelos. Sine dubio, a designação era «Espirro do Besteiro». Sem dúvida também, era utilizada no século XII e o lenço pertenceu a um besteiro herói da Reconquista que criou raízes nos territórios que portam hoje o determinativo «de besteiros».

Desconhece-se, todavia, a origem da designação. Especula-se que o Besteiro tivesse o tique de espirrar e que, com esse tique, esconjurava a má sorte. Por um processo osmótico, morto o Besteiro em 1185, o lenço encarnou a mesma propriedade benfazeja, tornando-se numa relíquia universalmente cobiçada, sobretudo contra a pobreza e a doença.

Em 1939, o arqueólogo Almiro do Vale localizou no Botulho um ancião que atestava que o «Espirro do Besteiro» fora levado para as Paredes do Guardão no final do século XIX por um homem que subiu à serra depois de a água ferruginosa do Barreiro de Besteiros não ter destruído a tuberculose que roía o pulmão esquerdo.

A informação foi um rastilho de pólvora. Para muitos, o extraordinário desenvolvimento do Caramulo como uma bela estância para a cura da tuberculose, única na Península Ibérica, com os seus sanatórios e equipamentos médicos de ponta, ruas pavimentadas, saneamento, água canalizada, comércio e belíssimos chalés, era prova irrefutável de que o «Espirro do Besteiro» estava ali.

Houve até quem arriscasse a portentosa afirmação que Jerónimo Lacerda, dito fundador da Estância Sanatorial do Caramulo, era a reencarnação do Besteiro.

Aí por 1947, entrou em cena Abel de Lacerda como diretor da Estância Sanatorial. Eximíssimo farejador de antiguidades, foi ele a encontrar o artefacto e a apresentá-lo ao Mundo na Exposição de Arte Sacra do Concelho de Tondela (Junta de Turismo do Caramulo, 1951), depois de autenticado por Luís Reis Santos, historiador de arte, e Jacques Kugel, antiquário parisiense.

Como, onde e quando Lacerda o encontrou ignora-se. Fez tabu e isso levou-o a uma batalha campal na imprensa e no Parlamento em torno da propriedade e da preservação do património cultural e dos tesouros nacionais.

Finda a exposição de arte sacra, o artefacto foi incorporado na coleção do Museu do Caramulo, fundado pelo mesmo Lacerda e inaugurado em 1953.

Estudos de toda a variedade e ângulos foram então realizados.

A descoberta revolucionária coube ao especialista Reynaldo dos Santos: o «Espirro do Besteiro» é o antepassado direto dos «Lenços dos Namorados» de Viana do Castelo. A conclusão resultou de análises etnopictográficas e histórico-geográficas comparativas ente o lenço medieval e o exemplar mais antigo conhecido dos lenços de Viana. O intuito propiciador comum, a tipologia e a morfologia dos bordados e as origens ancestrais da comunidade de Viana do Castelo nas Terras de Besteiros, de onde levou o nome Castelo (de Castelões, no sopé da serra do Caramulo), constituem provas consideradas irrefutáveis pelo investigador.

Nos conturbados anos que se seguiram ao 25 de Abril de 1974, o «Espirro do Besteiro» desapareceu do Museu do Caramulo. Correram várias versões do facto, coincidentes num ponto: o artefacto saíra do Caramulo e daí o arruinamento em que caiu.

Recentemente, as redes sociais encheram-se de sebastianistas que juram que o «Espirro do Besteiro» regressou à terra e que isso explica o progresso prenunciado por todo o tipo de autoridades e investidores.

Verdade é que foi visto fisicamente pela última vez no Museu do Falso.

Folha pautada de caderno, provavelmente dos anos 1950, manuscrita aleatoriamente e na qual Abel de Lacerda reproduziu, com traço rápido, alguns motivos bordados no lenço no século XII e, entretanto, desaparecidos. A folha foi encontrada no seu arquivo pessoal.

Anotações cursivas na sua agenda indicam que o lenço apresentava vestígios cromáticos dispersos e apenas visíveis a raios X. A análise foi efetuada nos aparelhos Siemens existentes na Estância Sanatorial do Caramulo. Desconhece-se o paradeiro da chapa.

O esquema é uma reconstrução conseguida através da conjugação de vários vestígios parcelados. Os motivos repetir-se-iam.

Representam duas figuras de traços simplificados, uma masculina (o Besteiro) e uma feminina. Dois pequenos símbolos, sob um X, assemelham-se aos pictogramas utilizados atualmente nas etiquetas do vestuário e cujo significado é «não lavar com água» e «não lavar a seco».

Esta incorporação, no acervo do Museu do Falso, teve como Parceiro Institucional

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