Cine Bizarro de Figueiredo ou memórias de um Carnaval de 1977
AUTOR: Manuel Farinhas (1920–1977, Portugal, Carregal do Sal)
TIPOLOGIA: Invólucro de Plástico; Frames de Película de celulóide 16mm.
DATA: Incerta. Data do registo do autor 1977
Contextualização
Carregal do Sal sempre foi um lugar onde pessoas peculiares acabam por parar um dia. No Carnaval, acorriam multidões vindas no comboio “rápido” de Lisboa, mas também de carro, mota ou bicicleta das populações vizinhas. Não se sabe ao certo quando aconteceu o evento, nem se sabe se por influência de Luís de Almeida Melo ou Eduardo Silvestre, que viriam a criar o Círculo de Cultura de Carregal do Sal. A verdade, é que em pleno Estado Novo, foi organizada uma sessão de cinema clandestina para apresentar o filme de Sergei Eisenstein de 1944-46, Ivan o Terrível. Foi encontrada há relativamente pouco tempo em Viseu, numa embalagem de rolo fotográfico com rótulo “Carnaval de Carregal do Sal 1977”, 4 frames de película 16mm do filme em excelente estado de conservação. Existe uma teoria de que teria sido o próprio Álvaro Cunhal que no final dos anos 40 teria conseguido uma cópia do filme recém estreado na URSS (encomenda de Estalin) para influenciar o campesinato rural beirão a rebelar-se contra os proprietários de famílias ricas opressoras. A primeira parte do filme teria passado ilegalmente em Espanha em 1948 (a segunda parte só estrearia na URSS em 1958 com uma contenda entre Sergei Eisenstein e Estalin), entrando em Portugal por Vilar Formoso em 1949. Supõe-se que o filme teria sido projectado em Fevereiro de 1949, por altura do Carnaval, dado ter-se visto um “aglomerado grande de gentes forasteiras junto da sala de cinema do Sr. Manuel das Farinhas, irmão da mulher do Zécarias, que fazia a melhor broa e sêmea das redondezas (Sta Comba incluída, aliás, sempre incluída)”, segundo registo da GNR a 24 de Fevereiro de 1949. O caso terá sido reportado à PIDE que perseguiu o grupo forasteiro, seguindo o seu rasto pela estrada nacional 234. Não existem dados concretos, mas pensa-se que a prisão de Álvaro Cunhal, no Luso a 25 de Março de 1949, tenha a ver com essa e outras projeções do filme, nomeadamente em Mortágua, Curia e Mealhada. O Cinema Velho passou então a ter vigilância apertada da polícia política do Estado Novo, sendo a sua programação aprovada com muita antecedência pelo Secretariado Nacional de Informação, assim como aconteceu mais tarde com a programação do Cineclube de Viseu a partir de 1956. Para além de projeção de filmes, organiza bailes como fachada de uma atividade subversiva que, reza a lenda, incluía a projeção de Aniki Bobó de Manoel de Oliveira ou Nazaré de Manuel Guimarães. Com a chegada das projeções em 35mm, o Cinema Velho deixou de funcionar como tal, sendo utilizado apenas como salão de baile para as debutantes conhecerem os futuros maridos. Abriu uma sala de cinema no quartel dos bombeiros de Carregal do Sal que permaneceria em atividade cinematográfica até 1994, encerrando a sua história com Jurassic Park de Steven Spielberg.
Esta incorporação, no acervo do Museu do Falso, teve como Parceiro Institucional