Pedra de Caim

AUTOR: Desconhecido
TIPOLOGIA: Documento
DATA: Séc. VII a.C.
N.º DE CATÁLOGO: #042
N.º DE INVENTÁRIO: MF.2021.015
PROVENIÊNCIA: Museu de Escrita do Sudoeste

Contextualização

ORIGEM E CONTEXTO DA PEÇA

O objecto que apresentamos é um achado enigmático feito na região de Viseu no princípio do século XX, no lugar onde em tempos passou um curso de água, entretanto seco. A sua descoberta é muitas vezes atribuída, erradamente, a José Coelho, tendo, na verdade, sido identificada por um dos seus colaboradores ou amigos. Podemos ler num dos cadernos do arqueólogo, referente a outubro de 1939, que José Coelho trabalhava num “pedido de opinião sobre um achado singular, que parece conter inscrições pré-históricas”, seguindo-se a cópia da inscrição de que aqui reproduzimos o esboço-réplica feito por um autor desconhecido.

Trata-se de uma pedra em elevado grau de desgaste, onde, ainda assim, é possível identificar a inscrição de caracteres cónicos associados à cultura do povo Tartesso, a que muitas vezes se refere como sendo o primeiro povo da Península Ibérica.

Para análise da pedra, recorremos a informações difundidas pelo Museu da Escrita do Sudoeste, em Almodôvar: “Os primeiros signos correspondem, na sua forma, mas em boa parte também no seu valor fonético, aos que o alfabeto fenício apresenta”. Sobre a origem desta escrita, podemos ler que “a circunstância de uma escrita particular se ter desenvolvido nos territórios ocidentais da Hispânia deve-se a uma continuada presença dos comerciantes de Tiro e da sua colónia norte-africana, Cartago, (…) na região que corresponde à actual Andaluzia e ao Sul de Portugal, as populações locais desenvolveram uma escrita própria, que resultou da adaptação do alfabeto denício à sua língua, aplicada essencialmente em inscrições funerárias.” (informação retirada da exposição permanente do Museu da Escrita do Sudoeste.)

Análises recentes confirmam que a Pedra de Caim é um exemplo original de escrita “cónica” ou “tartéssica”, e representa por isso um caso excepcional pela sua origem geográfica, sendo o único exemplar encontrado acima do rio Tejo.

Apesar de este ser motivo suficiente para prestarmos atenção à Pedra de Caim, é no seu conteúdo que reside o enigma que tornou a pedra um dos exemplares mais estimados da escrita deste período.

O CONTEÚDO

Há uma grande incerteza sobre a interpretação da escrita “tartéssica”, muitas das inscrições que sobreviveram à passagem do tempo, chegam fragmentadas. Apesar disso, identificaram-se alguns caracteres que permitem apontar caminhos para a leitura desta escrita, e aproximar-nos dos nossos antepassados de então. Um factor interessante será que “as letras são com frequência enquadradas por linhas paralelas e desenvolvem-se em espiral, assumindo uma forma elíptica ou rectangular.”, como podemos ler na exposição do Museu da Escrita do Sudoeste. No caso da Pedra de Caim, podemos confirmar que o texto se organiza segundo esta regra, devendo a leitura dos caracteres ser feita verticalmente, no sentido ascendente – propondo que os caracteres sobrevivente pertenceriam a um conjunto maior, provavelmente organizado numa estrutura rectangular.

Na interpretação da Pedra de Caim, a tese que reúne maior consenso é a de que a inscrição pode ser traduzida para “matei”. Esta é, no entanto, uma inscrição que nos chega incompleta: perdemos uma parte substancial do conjunto de caracteres. Sobre esta ausência, levantam-se um conjunto de possibilidades, destacando-se três teorias:

  • pela localização geográfica da inscrição e a natureza do conteúdo, alguns especialistas sugerem que a Pedra de Caim é a confissão ou explicação de um homicídio. Numa primeira referência à pedra, fala-se num “crime tão antigo quanto o crime de Caim”. Esta é a origem do nome por que hoje conhecemos a inscrição. A tese sugere que o homicida, expulso da comunidade pelo seu crime, vagueando pela península, em algum momento da sua vida passou pela região de Viseu setecentos anos antes de Viriato, e aqui deixou a exposição do seu crime;
  • outra tese sugere que o homicida era um acusado, não um culpado. Aproxima-se da tese anterior, nas motivações e contexto do autor da inscrição. Sugere uma outra motivação. Uma vez que o fragmento que nos chegou da inscrição omite o princípio da frase, propõe-se que originalmente, na pedra, podia ler-se uma nota de inocência: “não matei”.
  • uma terceira tese sugere “matei” é remate de uma palavra maior, não tendo a palavra originalmente inscrita, ou a intenção da sua inscrição, nada que ver com homicídios.

Talvez não tenhamos nunca uma resposta para este enigma. Nunca saberemos se este homem ou mulher inscreveu a mensagem na pedra movido por um sentimento de culpa ou injustiça, ou alheio a estes conceitos. De qualquer forma, a teoria de um autor-homicida é preferida para especuladores. Se associarmos a esta ideia, a circunstância em que a pedra foi encontrada, podemos reconhecer uma metáfora para actos criminosos; mesmo em circunstâncias hostil, e tanto tempo depois, sobrevive ainda a palavra do crime. Lembramo-nos, inevitavelmente, do Macbeth, de Skakespeare:

Will all great Neptune’s ocean wash this blood
Clean from my hand? No, this my hand will rather
The multitudinous seas incarnadine,
Making the green one red.

Esta incorporação, no acervo do Museu do Falso, teve como Parceiro Institucional

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