Maquete e Tríptico Técnico: A Nova Catedral de Viseu
AUTORIA: Sociedade para a Materialidade Humana (Promotor) / Pedro da Silveira, Arq.
DATA: 2062
N.º DE CATÁLOGO: #019
PROPRIEDADE: Pedro Silveira
Contextualização
A “Sociedade para a Materialidade Humana”, de acordo com o seu caderno de ideias e ideais, pretende dotar a cidade de Viseu, e mais concretamente o seu núcleo antigo, de uma nova catedral. Esta catedral deverá localizar-se, de acordo com a presente sugestão, no lugar da atual Sé de Viseu.
A intervenção em edificado de elevado valor simbólico encerra em si uma multiplicidade de questões e sensibilidades, havendo uma parafernália de visões e teorias para este tema. Tema sensível, fraturante e que suscita discussões de ampla abrangência.
Para a intervenção em património edificado, mais concretamente em património de elevado valor e carga simbólica (monumentos), Viollet-le-Duc defende a procura de uma unidade formal (unidade estilística). Como tal, o restauro defendido por este francês, deveria ter como objetivo a reconstituição da unidade do monumento, reconstituindo-o naquilo que ele deveria ter sido, podendo nunca ter sido como se pensa … Neste caso, a Sé de Viseu é um edifício na qual dialogam uma imensidão de “estilos”, de momentos e de intervenções em diversas épocas … podendo-se afirmar que se trata de um edifício não coerente (visto aos olhos de um purista, defensor de um estilo único). Deste modo, seguir o princípio de Viollet-le-Duc seria entendido como o identificar e respeitar apenas uma única época, um único momento. Tal opção anularia todos os outros momentos em detrimento de apenas um … solução não perfilhada nem pretendida.
Segundo o entendimento de Camilo Boito, não se deveria perturbar a história do monumento, defendendo que no processo de conservação se deve respeitar a identidade histórica do monumento em todas as suas fases de modificação, sendo sensível à própria evolução dos monumentos, garantindo que estes mantenham a sua vida. Este arquiteto italiano entende ainda que sempre que se introduzam materiais ou técnicas novas, independentemente da nova intervenção ter imagem igual à pré-existência, esta nova intervenção deverá ser perfeitamente identificada – deve-se assumir e marcar a operação. Mantêm-se assim os elementos originais aos quais se adicionam elementos novos, sendo um momento de síntese, cabendo ao arquiteto o afirmar e determinar qual a melhor coerência a estabelecer entre os valores históricos e a unidade estética contemporânea.
Interessante ainda pensar na ideia do Papa Sisto V, que aquando da reconstrução da Basílica de S. Pedro, desenvolveu um plano que monumentalização da cidade de Roma através de um processo de valorização dos monumentos através da sua substituição. Esta substituição dotava os novos edifícios de um caracter monumental, assumindo-se como novos monumentos, permitindo a exaltação de uma visão (quase) triunfalista sobre os signos e símbolos da cidade.
O próprio Le Corbusier, mestre do movimento moderno, referência incontornável da história da arquitetura do séc. XX, defende que a intervenção urbana deverá ser efetuada numa perspetiva de reabilitação urbana e de progresso, adaptando-se o espaço físico às necessidades do seu tempo. Esta ideologia evolucionista determina que o passado anónimo será o retrato de algo que já não existe, entendendo-o como uma paralisação. Aceita assim, o desmontar da cidade histórica anónima com vista à criação de uma nova simbologia … Aceita, contudo, que se deverão manter as marcas históricas do passado desde que estas detenham um caracter de excecional valor e se assumam como referências – a manutenção dos monumentos como marcas coletivas.
Pode ainda assumir-se que os edifícios têm uma vida, e que muitas vezes, fruto do seu estado de degradação, da sua mescla de intervenções, ausência de coerência ou funcionalidade, do seu caracter obsoleto ou de já não cumprirem qualquer função ou objetivo, a melhor solução será a sua demolição e/ou substituição por um novo edifício que responda às pertinências da época e que reestabeleça a significância perdida do lugar …
Deste modo, esta proposta tem como ambição garantir que o centro (simbólico) da cidade possa voltar a ser entendido como um pólo atrativo, assumindo-se como a nova centralidade e como um referencial (a noção de construção de um monumento no ponto mais altaneiro da urbe).
Assim, o iluminário (nome/ conceito deste projeto) afirma-se como o novo farol da sociedade contemporânea e acrítica, condizente com o paradigma da pós modernidade, como definido por Charles Jenks. Aceita-se, desta forma, a nuvem de conceitos existente entre negócios, ócio e religiosidades várias.
O espiritual encontrado numa qualquer “zara” ou à mesa de um “mcdonald´s” encontra-se balizado entre o “céu” e o “inferno” – seja o que quer que isso for!
Uma nova centralidade é o que se procura. Uma centralidade na qual possam convergir uma multiplicidade de funções, como é o desejo nos dias que correm …
Se na tela de um pc/ ipad ou afins converge o mundo (ou um holograma do mesmo), porque não no que foi a antiga centralidade aglutinar-se um sem número de acontecimentos e possibilidades?
Desta forma, esta nova catedral está perfeitamente concordante e enquadrada com o espirito da época que vivemos, deslocando-se e afastando-se claramente de uma ideia romântica do que foi, um dia, o conceito de catedral (da índole da Sé).
A nova catedral é aglutinadora, concêntrica, apelativa e encerra dentro de si um centro comercial, um lugar de culto, um centro de conferências / negócios “chique”, um hotel de charme híper design e um ainda mais seleto restaurante (com estrelas Michelin – como deve ser, aliás). Este complexo, este novel edificio, imbuído de todo este conceito programático, reflete-se na sua forma e no espirito da sua própria imagética – o iluminário – um edifício alto, marcante, que determina um novo “skyline”, relativizando as torres existentes, assumindo-se como um volume de formas irregulares e sensuais, quase pornográficas, emergindo do núcleo antigo – a memória versus uma nova memória (que agora se cria) – a memória de um séc. XXI visionário que ousou afirmar uma marca do seu tempo, que ousou assumir-se.
Este edifício representa a luz, representa a multifuncionalidade, representa os tempos de uma nova interação, de um novo dinamismo, de uma nova sociedade e até, quiçá, de um novo Homem. Este volume – o iluminário – pretende ser a luz, um farol…
… de dia, a luz do sol, reflete nele, fazendo-o brilhar como um diamante, distribuindo de modo irregular (como as suas formas) feixes de luz que orientam, que guiam, que marcam, mas que também cegam!
… de noite, aparece iluminado, afirmando-se como protagonista latente, gritando por si, exibindo-se, obrigando, de modo notório e desafiante a que seja olhado, admirado, sentido, a que seja um marco, um guia … como um farol.
Mas, e há sempre um mas, como antes, como hoje, como sempre, não é para todos … Convida alguns, permite a entrada a todos, mas direciona-se apenas para os “iluminados” – os únicos que poderão usufrui-lo na sua plenitude. Aos outros, resta a glória de o verem, de o terem em sua presença, de poderem dizer que na sua cidade há um iluminário … e permite-lhe sonhar que, um dia, possam entrar na “terra prometida”.